22h

Maithê Prampero
3 min readSep 19, 2022

No banco de trás do carro, olho pela janela, observando esta cidade de prédios altos, luzes acesas a noite toda e um clima instável. A conversa no banco da frente é sobre músicas, sobre política e sobre a vida. No fim é sempre sobre a vida.

Respondo alguma coisa como “aham” e “uhum” quando sou chamada a participar da conversa, mas de fato estou olhando para as janelas todas do prédio azul ao meu lado. Este com cara de litoral, que poderia estar a 300m da areia fofa e suja da praia. Até tem coqueiros na calçada em frente ao prédio, compondo o cenário marítimo perfeito.

Photo by Irina Iriser on Unsplash

Algumas janelas têm cortinas, outras não. Algumas têm redes de proteção, uma medida de segurança para animais e crianças. Numa janela vejo até um gato, apoiado na rede como quem não faz ideia do perigo. Ou faz?

Há apartamentos sem luz alguma acesa. Outros com várias luzes, brancas e amarelas. Em algumas vejo pessoas passando, pessoas andando. Vejo uma televisão ligada, passa a novela neste momento.

Photo by Brian Suh on Unsplash

Me distraio das tantas vidas que existem por trás de cada pedaço de vidro e vejo um homem, de cerca de quarenta e cinco anos, recebendo sua comida no portão do prédio. O motoqueiro pega a sacola, uma destas de papel kraft, e entrega ao homem. Ele agradece e retorna para dentro. Começo a imaginar esta vida acontecendo em um sábado, às 22 horas.

Por que será que aquele homem fez um pedido de aplicativo neste horário? Será que ele costuma jantar tarde da noite? Será que estava em um encontro e por isso pediu comida, para aproveitar melhor a companhia, assistir a uma série comendo lanches e batatas canoa? Será que ele teve um dia péssimo, pensou em cozinhar, errou feio a receita e então pediu alguma coisa porque estava faminto? Será que ele pensou que merecia uma “recompensa” por ter tido um dia tenso? Será que trabalha com plantões e não tem energia e disposição para cozinhar?

Tantas possibilidades. Talvez os apartamentos apagados não tenham moradores. Ou talvez as luzes tenham sido apagadas porque o dia foi triste, os residentes chegaram de um velório, tomaram um banho, uma dipirona e foram se deitar. Talvez estejam viajando. Talvez seja um único morador. Talvez as luzes internas também tenham se apagado.

Photo by Jeremy Bishop on Unsplash

Cada pedacinho uma vida inteira, com um monte de dores, alegrias, incertezas, medos. Isso nos humaniza, saber que a vida é um movimento de luzes acesas e apagadas, uma balada em que o tutz-tutz muda de ritmo sempre. Até que a música chega ao fim.

A vida é essa inconstância de pedir comida às 22 horas, e descer as escadas usando chinelos e um moletom, para pegar o esperado lanche com batatas fritas. As nossas luzes brilham, e precisam mesmo brilhar, radiantes no Universo, mas elas se apagam. Viram estrelas, vistas no passado.

Photo by Greg Rakozy on Unsplash

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