Como comprar um relógio

Ou a crônica da tecnologia atual

Maithê Prampero
4 min readOct 10, 2024

Sempre gostei muito de relógios, além de achar um acessório belo, é útil. Hoje em dia, é mais do útil. É uma extensão do celular, um medidor de frequência cardíaca, avaliador de sono. Não sei, mas é capaz de ser também psicólogo. Dos mesmos criadores de robô aspirador e anel para bem-estar e saúde, veio aí o relógio inteligente.

Não sei vocês, mas me enche o saco viver o tempo todo envolvida em tecnologia. Para encontrar uma cabeleireira, tatuadora e endócrino, nada melhor do que procurar a página profissional no instagram. Para avaliar qualidade do sono, um relógio. Para ler, um e-reader. Para não ficar sem músicas, um fone sem fio bluetooth. Legal, tudo muito bacana, sou até adepta de alguns (os fones sem fio e o e-reader daquela grande empresa), mas me cansa ter que carregar todos esses dispositivos. Só leio se tiver bateria, corro o risco de ficar no meio da música, em pleno ônibus. Haja tomadas em casa!

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Não lançarei mão da máxima de que “tudo era melhor antes”, porque existiu um antes com mulheres sem direito a voto e escravização de pessoas. Tudo era mais difícil sem a tecnologia? Provavelmente. Se não fosse o skype em 2015, eu não conseguiria falar com minha mãe a 300km de mim. Se não fosse o celular, eu me sentiria muito sozinha, não teria conhecido a ONG que me permitiu adotar um grande amor. Não saberia de notícias importantes, de amigos que moram longe, de ideias incríveis, de pessoas que acho criativas e criadoras. A tecnologia tem um ótimo papel, mas agora eu quero reclamar.

Cansada do relógio inteligente, decidi que gostaria de um relógio. Tradicional mesmo, ponteiros e só. O que ele faz? Mostra as horas, como o celular e todos os outros dispositivos. De qualquer maneira, adoro esse acessório que vai no braço e que me mostra com ponteiros as horas do dia.

Encontrei uma dificuldade imensa em encontrar um relógio. As primeiras páginas de compras me mostraram as melhores opções em…relógios…inteligentes. Quero um relógio menos inteligente, um relógio iniciante. Um dos maias e incas. Só um relógio. Que não carrega na tomada, e que quando para precisa de troca de bateria, em uma relojoaria (existem, juro!).

Por fim, achei relógios, após um process intenso de busca. Sigo olhando opções, mas ficou a reflexão sobre o impacto da tecnologia em nossas vidas. Não se trata de demonizar o uso do que veio para facilitar processos e nos aproximar das pessoas, mas sim de questionar qual o espaço e papel de tantos objetos tecnológicos. Ao fim do dia, qual é a proposta de um anel para bem-estar? De um relógio que monitora o sono?

Se servir para qualidade de vida, vou dizer: vá em frente. Agora, se for apenas mais um dispositivo, mais um equipamento, vou sugerir que reflita. Recentemente me desconectei do instagram, permanecendo menos de um dia e retornando. Precisei trabalhar a relação com as redes em terapia, me preparar e então tomar novamente a decisão. Excluí minha conta, e, agora, já estou completando uma semana. Nunca me senti tão livre e leve, com tempo.

Antes eu tinha as mesmas horas — marcadas pelos meus ponteiros no braço esquerdo — mas não conseguia aproveitá-las, de modo que os dias se resumiam a trabalhar e ver o feed. Cheguei a rolar os reels por mais de uma hora, inúmeras vezes. Tempo este que gostaria de usar para fazer o que gosto, ver séries, ler, aproveitar a companhia da Luna.

Whatsapp é outra rede que sufoca, mas que permite que se feche o aplicativo. Dá para responder depois, dá para ficar longe. Que ele sirva para conectar, resolver problemas, e para ser um espaço de bate-papo com as pessoas com as quais gostaria de tomar um café diariamente, mas que não seja o centro da minha vida, e, espero, da sua também.

Ainda não comprei o relógio, mas está na lista que coisas que quero fazer. Saudade de usar um relógio que serve unicamente para ver horas. Um relógio focado em seu propósito.

Que horas são? Dois toques na tela. 21:05.

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