Despedidas

Maithê Prampero
4 min readApr 27, 2023

Da janela do ônibus, acena segurando o choro, com aquela sorrisinho amarelo, ridículo. Enfia as unhas com força na coxa, seguindo a linha do “mais dor para esquecer outra dor”. Que merda terem de viver a distância. Por que é que as coisas só não podem ser como nossos desejos e sonhos? A vida parece mesmo uma ingrata.

Espera o ônibus dar partida e virar para a rua de saída da rodoviária, coloca os óculos, continua enfiando as unhas mais fundo na carne. Deixa as lágrimas rolarem. Ou a distância acaba, ou acaba a vida.

Um dilema do tipo ser ou não ser, com a resposta já dada. O que vale a vida? Quanto vale?

Abre um livro romântico de baixa qualidade, literatura para passar o tempo. Sorri, sabe que no fim da semana terá feriado. A distância vai durar só quatro dias. Tentará sobreviver. O sangue esquenta a perna rasgada embaixo da malha.

Quatro dias.

Photo by Ioana Cristiana on Unsplash

Terminou porque coisas terminam. A vida não tem eternidades, mas sim efemeridades. A tatuagem nas costelas dizia exatamente isso: “tudo passa”. Pois bem. Passou a lua de mel, passou o turbilhão, passou Guarulhos e todos os seus aviões. Passou a relação.

Paciência. O luto também passará.

Saiu da terapia dizendo estar totalmente confiante de que tudo tem um motivo e que se assim aconteceu, assim precisava acontecer. Sempre que a vida dá merda, se apega a coisas místicas, mercúrio retrógrado, Marte em alguma coisa, energia, umbigo destampado. A chuva nos cafundós, o pé que pisou primeiro no chão.

Dá um jeito de achar desculpas para tudo aquilo que foge do esperado. E tenta se convencer de que está bem, talvez porque já queira ter alta da terapia há um ano. Acredita que terapia é um negócio que se entra querendo sair.

É o tratamento que gosta de interromper às sextas e retomar às segundas. Quando não usa a magia e as subjetividades, apela para o álcool. Enche a cara, sorri como nunca, no outro dia reclama como sempre.

Definitivamente, não terá alta da terapia. Semana que vem terá sessão às dezesseis, a terapeuta está grávida e fará ultrassom. Ela já colocou alarme no celular, não perde a terapia por nada neste mundo. Só reza para que a sessão não seja às sextas, porque no barzinho gourmet o chopp é em dobro toda sexta-feira.

Photo by Alexander Andrews on Unsplash

Último dia no escritório. Alívio. Se pudesse usar uma palavra, seria essa. Se imagina saindo de lá dançando ABBA, no melhor estilo de dança flashback. Tudo bem que não terá tempo para férias, segunda-feira, oito da manhã, novo emprego.

Pelo menos não é essa merda de escritório, coordenado por machistas e falsos. Bem no fundo, sabe que não será muito diferente no novo trabalho, haverá falsidade, machismo e reclamações, só gosta de pensar que alguma coisa nova estará acontecendo.

Tudo anda na mesmice desde o dia do enterro. Um emprego novo é exatamente o que precisa para dar a volta por cima. Só que o mundo gira, e o cima de hoje é o baixo de amanhã. Pessimista ou realista?

Levou bolo de cenoura com cobertura de chocolate, uma estranha, feita com chocolate hidrogenado. Não queria gastar com eles. Se pudesse nem levar bolo, assim o faria. Viver em sociedade dá nisto, nem sempre é possível só cagar para as normativas todas. Todos que entram ou saem levam bolo. Regra. Mais importante do que as outras ordens de convivência, o bolo ocupa lugar sagrado.

Corta um pedaço e entrega para a falsa da mesa ao lado. Ainda sorri. Nunca mandou bem na falsidade, mas no último dia, fez um esforço extra. Seguiu entregando pedaços de bolo, pegando um fininho para si. Aquele chocolate realmente foi uma péssima escolha.

Segunda-feira levará bolo ao novo escritório. Nada de coberturas.

Photo by Samantha Gades on Unsplash

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