Mulheres com escolha
Mulheres sujeito das próprias vidas, com poder de escolha, de colocar limites e de dizer não!
Minha mãe me contou que, na época em que era adolescente, o grande objetivo das meninas era um só: achar um partido. Parece que estou falando de um romance da Jane Austen, da Inglaterra vitoriana, mas estou falando de Brasil, anos 80. Aqui do lado, ontem na história da humanidade.
Ela me disse que as meninas eram ensinadas e estimuladas a encontrar um homem. Se vestir para isso, sair para flertes e voltar com expectativas. Colocadas em um lugar em que poderiam — ou não — ser eleitas. Como se vencer na vida fosse sinônimo de um casamento. Veja que eu não disse um bom casamento, apenas casamento. Ser bom é critério subjetivo, e mulheres não poderiam pensar em coisas assim. Filosófico demais, a gente não entenderia (olhos revirando!).
Na balança do custo x benefício, mais valia um marido do que a solteirice. Divórcio, relações não normativas, nem pensar. Outro mundo, totalmente inacessível.
Ela continuou a história, dizendo que não havia o questionamento básico do “quero isso?”. Não entrava na conta o peso dos sonhos, das escolhas, de se perguntar o que poderia contribuir para a felicidade. Era isso a vida. Para todas. E ponto.
Ser crítica e terminar o relacionamento? Fora de cogitação. Escolher alguém com valores parecidos? Fique grata por “ser escolhida”. Como uma competição, em que as mulheres estavam nas prateleiras que eram os rôles de fim de semana. As matinês. As voltas nas praças e avenidas. Os clubes, sorveterias.
Se não está bom, faça ficar. Releve, reflita, se aquiete em uma vida pré-moldada. Seja o que esperam de você. O que a sociedade prediz que é uma boa vida precisa caber. E se não couber, corte suas partes, as pontas dos dedos, das asas, da língua. Seja a distopia da Atwood.
Seguindo, minha mãe disse que, em conversa com outras mulheres, chegaram a conclusão de que a nossa geração (millenials, zillenials e geração z) é feita de mulheres que escolhem. Que somos críticas, não aceitamos qualquer coisa. Antes mal acompanhada do que só era o lema delas. Os nossos lemas vão na direção de abraçar a solidão, de não nos calarmos, e não deixarmos que outros digam como deve ser a vida. Pelo menos a nossa vida.
Ainda trabalhamos em nossa rivalidade feminina, e penso que avançamos muito. Claro que vez ou outra assistimos a um filme com a Kate Hudson do início dos anos 2000. E amamos, choramos, desligamos um pouco a cabeça. Porque sobreviver é necessário e lutar o tempo todo cansa, desgasta e nos exaure da parte social que é o todo do nosso ser.
Já aprendemos que a amizade com outras mulheres engrandece, empodera e nos faz entender que há amor em outros lugares e relações, para além do amor romântico superestimado. Há amor em nossos grupos de amigos, em nossas famílias, no esporte, no lazer, na arte, no trabalho. Amor não falta, mas se buscarmos em uma única tampa ou panela, ficará mais difícil de achar, e encaixar.
Quando nos metemos em ciladas, já sabemos a quem recorrer, e nossas amigas não nos falam o que queremos ouvir, mas o que precisamos. Não se privam de falar, com medo de que exista reconciliação, porque não cabe mais uma vida em que mulheres são diminuídas por seus companheiros, tratadas como lixo, e vistas como objetos com uma única função: sexo.
Já não chamamos críticas aos nossos “alecrins-dourados” de inveja ou de qualquer outra forma de negação da realidade. Choramos, rimos, levamos pra terapia, vemos filmes, cozinhamos. Somos independentes, amantes de momentos a sós, mas não sozinhas ou solitárias.
Já entendemos que a vida é mais, e que tem muito a oferecer. Queremos amar e ser amadas, porque é parte da existência, mas não estamos dispostas a aceitar qualquer amor, de qualquer jeito, sem respeito, cumplicidade ou leveza.
Seguiremos criticando relações que são tudo, menos amor. E seguiremos recolhendo nossos caquinhos enquanto andamos de skate, trabalhamos, estudamos, escalamos as adversidades da vida. Seguiremos juntas, dando as mãos às nossas mães, amigas, iguais.
Vamos continuar amando e tentando. Porque é disso que a vida é feita. Não toleraremos nenhum tipo de violência, e não deixaremos que nossas semelhantes sofram nas mãos de homens que apenas transam com mulheres, mas não nos ouvem, leem, legitimam, e que riem de nossos sonhos, planos e pensamentos.
Continuaremos críticas por aquelas que não tiveram outra opção, que não puderam fazer suas escolhas, e pelas próximas, que também nos ensinarão muito. Seremos chamadas de muitas coisas, porque quando escolhemos opinar e não nos calar, somos “autoritárias”, “arrogantes”, “egocêntricas”, “loucas”, “histéricas”, “exageradas”. Que chamem-nos destes termos todos, mas de fracas e passivas, nunca.