Mulheres hétero e uma xícara de café

Sobre celibato voluntário, heteropessimismo e desesperança

Maithê Prampero
4 min readOct 11, 2024
Photo by Becca Tapert on Unsplash

Em qualquer conversa com colegas, amigas, conhecidas, até mesmo numa conversa ouvida de escanteio em um ponto de ônibus, as queixas são as mesmas, as mágoas idênticas, as angústias similares. Muda-se o tipo de violência, mas de modo geral, ali estão: violência psicólogica, patrimonial, sexual, física.

Para encontrar alguma verdade e característica positiva das relações heterossexuais, recorre-se a um garimpo em terras profundas. Na superfície há apenas mais do mesmo: lodo, mentiras, culpabilização, objetificação de corpos, traições, lero lero.

Sei que haverá o pensamento de que exagero, e que “nem todos” são assim. De fato, mas quando falamos em dados de violências, não há exagero ao dizer que a maioria das mulheres é violentada por um homem. De modo geral, o parceiro amoroso. Abra o censo do IBGE, um portal de notícias, converse com alguém.

O objetivo aqui não é e jamais será passar pano para aqueles que violentam. Coloco aqui um grupo muito diverso, que vai do cara isentão que coloca no bumble que “não gosta de política” até o esquerdomacho desconstruído, que frequenta religiões de matriz africana, usa cogumelos para desenvolver autoconhecimento, prega amor livre e, na real, só transa com mulheres, porque nem ao menos as ouve falar.

Numa recente conversa, ouvi uma mulher angustiada falando sobre decepções em um relacionamento que realmente botava fé. À medida que ela ia narrando, meu estômago ia formando um nó, poderia ser eu falando. Foi como olhar no espelho e ver o rímel borrado, os ossos da clavícula levantados, a respiração entrecortada. Vontade de colocar um outdoor escrito: “FUJA, VOCÊ MERECE MAIS”.

E quando digo merecer mais, não é trocar um relacionamento por outro, correndo o risco do seis por meia dúzia. É merecer mais da vida. Aproveitar mais o tempo livre, estudar, viajar, planejar momentos, ver um filme, série, ler um livro, fazer nada. Sair com amigas e familiares, sair com a sua própria companhia. Merecer mais não é sobre merecer outro homem.

Ouvi, acolhi, orientei. Disse a ela que tome o tempo necessário e que se permita viver o que acha que precisa experienciar, ainda que seja permanecer mais neste relacionamento. Cada palavra que cuspi me doeu, mas sei como é estar do outro lado. Não sei como é ser ela, temos histórias diferentes, mas sei como é frustrante acreditar e ver o prédio de expectativas ruir.

Photo by Katy Anne on Unsplash

Cada vez mais faz sentido ver mulheres que viajam em grupos de mulheres, entram em grupos de leitura que focam em livros escritos por mulheres, ouvem e criam podcasts com e sobre mulheres. Não é porque nos tornamos as malucas megeras que pregaram (e pregam), mas porque entendemos que, ou fazemos nosso próprio caminho e legado, ou seremos fadadas a sombras.

Faz sentido também ver mulheres que fazem piada com a situação dos caras, que disparam nas redes sociais perfis absurdos em apps de relacionamentos, em que caras fazem exigências gigantescas para a “mulher perfeita”, mas não se dão ao trabalho de olhar minimamente para suas próprias porcarias.

Surgiram termos que tentam dar conta de toda a experiência, como o celibato voluntário, que seria a escolha da mulher heterossexual em não transar, para não ter que enfrentar o caminho árduo de conhecer e papear com um cara raso, chato, e que se dedicará por um tempo, até conseguir transar. Transa concretizada, as mensagens se tornam escassas, a paciência já não faz presença. Aprendemos dia após dia a conhecer nossos corpos, usar brinquedos, falar sobre sexo e pensar sem ser um tabu.

Pessimistas que estamos e inteligentes como somos, desenvolvemos uma série de estratégias para lidar com um mundo que faz de tudo para nos expulsar. Um mundo que culpa vítimas mesmo quando se prova o contrário, que duvida da palavra de mulheres, que — ainda — reduz mulheres a um único papel, tirando nossa liberdade de escolher, ainda que seja este único papel.

Eu, que sou esperançosa por profissão, acredito num mundo de liberdade e feminismo que dê às mulheres o poder de escolha, inclusive de escolherem uma vida tradicional. Se houver informações e crítica, a escolha será verdadeira. Acredito num mundo em que poderemos escolher como, quando e com quem.

Um mundo em que não precisemos preferir estar numa floresta fugindo de um urso, e não de um homem. A Anaterra Oliveira, que é incrível e faz vídeos muito úteis no Instagram, fez um vídeo sobre isso.

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Abaixo, algumas dicas de conteúdos feito por e para mulheres, para que nunca nos esqueçamos de nos ouvir, nos respeitar e lutar contra rivalidades:

Sites e iniciativas:

  1. Revista AzMina;
  2. Organizações Think Olga e Think Eva;
  3. Valkirias — Cultura pop por mulheres.

Autoras:

Aline Bei, Luísa Geisler, Natália Borges Polesso, Aline Valek, Ruth Manus, Carla Madeira, Conceição Evaristo, Giovana Madalosso, Jarid Arraes, Socorro Acioli, Carolina Maria de Jesus, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Cora Coralina, Maria Firmina dos Reis, Hilda Hilst, Lygia Fagundes Telles, Adélia Prado, Ana Cristina César, Ana Paula Maia. E muitas outras, que vou lembrar quando clicar em enviar o texto, porque a minha memória se retrai como uma tartaruga quando tento pensar em alguma coisa.

Podcasts:

Não Inviabilize; É noia minha; Bom dia, obvious; Gostosas também choram; Modus Operandi; Rádio Novelo; Praia dos ossos; Para dar nome às coisas.

É isso, uma mistura de desabafo com crítica, raiva, lágrimas, e muito do que no feminino acostumaram-se a chamar de exagero, loucura, problema, histeria.

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