Necessito sumir

Sumo para me realinhar, resgatar aquilo de mim que ainda resta, e conhecer as partes novas que surgiram enquanto estive desatenta

Maithê Prampero
5 min readJul 11, 2024

Hoje bateu saudade de escrever. Talvez por estar em um momento de alta energia, após reflexões importantes. Ou o clima frio e a playlist de fundo (summer eletrohits — alguém explica pra geração Z?!). Senti o ímpeto de falar com pessoas do mundo que me leem. Preciso sumir, mas agora preciso estar de volta.

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Tenho refletido muito ultimamente, principalmente sobre as nossas relações com a tecnologia. Percebo em mim — mas não somente — que existe um movimento de retorno. Tentativas de voltar a algo que funcionava antes, mas que se tornou obsoleto. Por exemplo, ouvir músicas que foram auge nos anos 80, 90 e até mesmo 00’s. Usar relógios analógicos. Permanecer sem celular. Jogar jogos de tabuleiro (acho que essa prática nunca sumiu de fato). É claro que há pessoas tecnológicas. Abrem a porta e pedem para que a IA acenda as luzes. Aumente o som. Desligue e ligue. Movimente-se. Apesar disso, observo ao meu redor (provavelmente olho para a bolha, de dentro da bolha) este desejo de voltar.

Desejo este seletivo, que não quer voltar aos hábitos e machismos, mas resgatar momentos, o uso do tempo, a presença no agora. Exageramos na dose tecnológica? Estamos com medo do fim do mundo? Me pergunto tudo isso, sofro, sinto, mas não chego a respostas. Minha maior angústia é também o meu maior ponto de curiosidade: fazer perguntas move mais que achar respostas. É disso que se trata a ciência, a arte, e talvez a própria tecnologia. Sobre perguntar. E perguntas são características tipicamente humanas. Refletir, racionalizar, questionar, investigar, hipotetizar, deduzir, corroborar, elencar, estudar, pesquisar, existir.

Penso, logo existo.

Peço licença ao Descartes para atualizar: “Questiono, logo existo”, ou ainda, “Questiono, logo crio sentido”. Buscamos e acabamos trombando em uma vida que está ligada à tomada. Celular, computador (este que me permite escrever tudo isso), tablet, leitor digital, relógio inteligente, fones sem fio, casa inteligente. Humanos desligados.

Por estes motivos todos espalhados nos supracitados parágrafos, sinto que precisei sumir. Estava consumida por horas de redes sociais e vídeos. Vídeos que gosto: cachorrinhos, dança, literatura, humor. Ainda assim, horas do meu dia. Desbloqueios constantes e sempre os mesmos cliques. Houve um dia em que senti minha mão adormecer, por não aguentar mais segurar o celular e utilizar o polegar opositor para rolar — para baixo, para baixo, ao infinito e…?

Eu diria que ao infinito e depressão. Ao infinito e comparação. Ao infinito e superficialiadade. Ao infinito e tempo que se foi. Ao infinito e…o que estou fazendo com a minha vida?

Você já se perguntou algo assim? O que estou fazendo com a minha vida? Onde é que eu vim parar? Para onde estou indo? Deixamos que os dias se repitam, que o movimento de esteira seja regra. Acordar, trabalhar, se preparar para trabalhar, dormir. Ciclo. Diversão: aplicativo estilo droga. Lazer: aplicativo moldado para viciar. Conforto: aplicativo que te lê por algoritmo.

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Cansa. E uma hora a panela de pressão explode. Num ato de desinstalar tudo e regressar ao celular das ligações (desejo semanal que tenho, quando não diário). Num aplicativo que bloqueia o uso do celular. O autocontrole escorregou pelo ralo em movimento de funil. E tudo bem apelar para as ferramentas. Para o que já não apelamos afinal?!

Sumi por isso. Porque precisava, para não sucumbir — mais. Para resgatar o que é de fato a minha vida, e o que quero fazer com o tempo. Este que não é meu, tampouco teu. A ampulheta vira no dia do nascimento, e a areia tem tempo definido para terminar de cair. O que quero fazer com este tempo que tenho?

Decidi retomar leituras. Achei paixão em uma trilogia fantástica. Voltei a ouvir músicas, alternando com os podcasts, que já estavam em lugar de regra, tarefa diária. Eu precisava estar a par dos últimos episódios. Querendo ou não, deveria. Tinha que. Parei de postar, fui viver. Mudei estilo, sem postar um único story. Vivo meu relacionamento conforme as ondas da vida. Rio muito, até a barriga doer. Pego memes e trago para a vida real. Ouço Summer Eletrohits. Ligo por vídeo para quem amo. Compartilho o que importa com quem importa.

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Me senti novamente viva, além de menos cansada, pressionada, cobrada. Não trabalho com conteúdo, e estou grata com meu anonimato. Acho que começo a entender o que quero e como. Desejo iniciar pintura com tinta acrílica em breve, mas não será postado. Vou experimentar e compartilhar com os amores que tenho.

Aprendi em um filme importantíssimo em minha vida, que quem eu tenho basta, e que não preciso de uma legião de fãs. Ou de uma exposição que me tira o sono. Não são todos que precisam saber do que gosto e no que acredito. Quem realmente faz parte da minha vida sabe de mim. É suficiente. Há muito não sentia que algo bastava. Tudo sempre cheio de lacunas.

Eu estava fragmentada. E não que esteja consertada, porque o sujeito se faz no viver (hoje eu to psicanalítica, me deixem). Eu vou voltar a sumir. E vou reaparecer, como sempre fiz. Achei neste blog um caminho para existir. E já não me importo mais em olhar para quem ou quantos, mas sim em ler e falar: “é isso, cheguei ao ponto que precisava”. Mais do que querer escrever, este ato é necessário para que eu me lembre de existir.

Na rotina dos dias, esqueço de respirar.

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