Semana que vem serei outra

E na outra, uma terceira. Até o fim da vida, terei sido muitas, e a mesma, em um movimento espiral, dialeticamente em transformação. Constantemente outra.

Maithê Prampero
4 min readMay 4, 2024

A minha terapeuta me disse que é mais fácil surfar do que nadar em oceano. Não falávamos de mar, tampouco da vida como esportista na praia. Falávamos da aceitação, de parar de lutar contra a impermanência.

Na metáfora, o mar é a vida, os sentimentos que se apresentam à nossa frente diariamente. Nadar é a tentativa de ir contra o movimento, definindo uma rota que nada diz do oceano infinito. Surfar é sobre aceitar o que vem, o fluxo e o ciclo que se apresenta.

Tenho as minhas gigantes dificuldades em aceitar que as coisas mais estão do que são. Eu mais sou do que estou. Somos campeões em arrogância, em dizer de quem somos e do nosso enorme autoconhecimento. Frases como “ninguém me conhece melhor do que eu” ou ainda “você sabe quem eu sou?” são ditas com a boca cheia de orgulho, com papo inflado, ego sufocante.

Não sei quem você é, tampouco sei de mim. Hoje adoro pizza, mas amanhã não suportarei a ideia de massa, molho, queijo e manjericão. Hoje defendo ardentemente que amo o meu trabalho, mas na semana seguinte, estarei chorando de cansaço, pensando em começar uma nova faculdade.

Começar do zero dá um arrepio e solta o intestino como só as crises de ansiedade conseguem fazer. Tentamos acreditar que as variáveis estão sob controle, que somos os donos de nós mesmos e da razão, que temos a sensatez da estabilidade, esta definida como linear, equilíbrio, constante. Pejorativo dizer daquilo que é instável.

Se fulano é instável, pode ser que seja falso, ou que não tenha opinião. Pode ser chamado de camaleão, aquele que muda conforme os ventos. Mudar de opinião não é visto como evolução ou como reflexão, mas como infidelidade com ideias anteriores, gritadas como verdades. Não há verdades absolutas.

Semana que vem serei outra. Ainda eu, mas totalmente nova. Serei a mesma, uma semana mais velha. Inevitavelmente fadada a ter que lidar comigo mesma. Sou impermanente. Chamar-me-ão de uma série de rótulos, diagnósticos e siglas de grandes manuais. Racionalmente, saberei que sou mais do que um título. O que exatamente nem sei, mas mais do que isso que cospem parcialmente.

Haverá risadas, deboche, destes que se julgam tão normais, estáveis, e que se acostumaram com uma vida que se repete de segunda a segunda. Uma vida de destaques em redes sociais, mas poucos detalhes mentais. Achar-se-ão grandes vitoriosos, os que puderam driblar as dificuldades do não saber, de uma vida de suposições. Sofrerão.

Belas são personalidades que aceitam ser o que são, ainda que isso seja indefinido, disforme como massa de brincar. Gosmenta, que se estica e se retrai. A aceitação é a beleza maior. Entender que sou o que sou. E se sou massa disforme, algo deve haver. Alguma coisa interessante terá que estar presente.

Foto disponível no Pexels

Foi isso que a terapeuta concluiu: há beleza em não ser sempre igual. Franzi o cenho, apreensiva e desconfiada. Tudo que eu queria era uma resolução, a receita para conseguir ser como todo mundo, ou para ser sempre a mesma. É cansativo se reconhecer em ciclos, perceber que há uma montanha russa dentro da cabeça e do peito. E que talvez tenha loopings. E talvez o cinto seja largo. E talvez ela suma num piscar de olhos.

Ainda não aceitei totalmente que meu processo é surfe, sigo tentando enfrentar ondas com braçadas tortas. Entendo que hoje é o que consigo, mas também me comprometo comigo mesma, para que aprenda a curtir o processo com mais gentileza. Amanhã pode ser que aceite totalmente quem sou e como me apresento, pode ser até que domine meus próprios ciclos, conseguindo prever a chegada de cada um. Talvez me entenda como sujeito lua, cheia de fases, e não olhe de forma raivosa para isso. Hoje ainda não me amo sem tentar aplicar linhas em minhas curvas.

Amanhã serei outra. Espero que mais doce comigo mesma. Por mim e mais ninguém. Estou ligada à minha existência até o fim. Sou o fio que mantém a respiração. Estarei lá quando o fio for cortado. Espero estar de mãos estendidas, em volta do meu próprio corpo incerto. Abraçando as minhas impermanentes permanências.

Serei outra. E sempre a mesma.

Gostou deste texto? Clique nas palminhas e siga meu perfil para não perder as novidades.

--

--