Torcicolo

Maithê Prampero
3 min readJan 22, 2023

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Acordar com o pescoço travado, sem conseguir virar para o lado, é de uma tensão inexplicável. E insistimos em virar, forçar, ainda que levemente. Vai que melhora. Treinamos com a dor esperando que ela passe — será?

Nós, seres humanos, temos essa mania estranha de insistir na dor, quase como se precisássemos nos adaptar. No fundo acho que nem acreditamos mesmo que a dor vai passar, só queremos que ela se adeque logo. Ou melhor, que nos adequemos a ela.

Fazemos isso com torcicolo. Com dor de cabeça (vou esperar passar, depois eu tomo o remédio!), com depilação (oie cera, quanto tempo!). Fazemos com sentimentos e afetos. Com pessoas. Insistimos na conversa que não caminha, na confusão do outro. Na hora errada. Porque queremos que seja a pessoa certa, a hora perfeita.

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Todo mundo quer viver a cena do aeroporto, quando tudo parece estar ruindo. E a pessoa aparece, e sorri, e corre pro beijo. Todos querem um amor para beijar na virada do dia trinta e um para o primeiro. Beijar na chuva. Encontrar a surpresa em casa. Receber um (ou “O”) pedido especial. Quem disser que não, ou evoluiu demais, ou se conhece pouco.

E seguimos insistindo. A gente fala que “vai ser a última chance”. Ou que não vai mais responder a mensagem. E em dois segundos há um textão ou um áudio. Que não vai mais atender, mas não dá um toque e estamos ali dizendo: OIEEE.

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E a pessoa vacila. Pisa na bola. E a gente segue. Diz para os amigos que dessa vez vai. Você tem certeza que vai ser diferente (mentira, já sabe que vai ser a mesma coisa). E aí ganhamos títulos: trouxe, tonte e afins.

Me pergunto, com grande frequência, por que fazemos o que fazemos. Talvez tenha influência da formação em Psicologia, ou talvez seja só mais uma brisa. Por que insistimos em pessoas que nos dão todos os sinais de que estão em outra?

Outra página, outra vibe. Gente que está vivendo mudanças e um momento próprio. Tá tudo bem. Só precisamos entender que o outro vai seguir a vida, e que precisaremos sobreviver. Um dia de cada vez.

Eu não me odeio por estar apaixonada. E por saber que eu to fazendo meu coração de gato e sapato. Tento rir, transformar em texto, e seguir. Aceito as minhas dores e erros, mas também sei o momento de me escolher e me colocar em primeiro lugar.

Dessa vez eu não vou olhar o celular de cinco em minutos esperando algo teu. Ainda que eu queira te ligar, contar as novidades, te chamar para um café, beijar tua boca. Hoje, só hoje, eu vou me escolher.

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E tomar um relaxante muscular para esse torcicolo inconveniente.

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